sexta-feira, 26 de março de 2010

Dívida de esclarecimento

Citei em artigo anterior a Carta Brandi. achei que fiquei na dívida do esclarecimento. Provando então que a internet é, e se expandirá, a mídia do futuro.
Está abaixo transcrito, do blog do Dr. Edson Nogueira Paim, o suficiente para acabar com a dívida, embora haja no texto espaço, ainda que pequeno, para não concordância, mas aí está:

"No dia 17 de agosto de 1953, o Jornalista Carlos Lacerda publicou na Tribuna da Imprensa, uma carta datada de 5 de agosto de 1953 e dirigida a Goulart, naquela época ministro do Trabalho. O documento, cujo suposto autor era o deputado argentino Antônio Jesús Brandi, ficou conhecido como Carta Brandi e relatava os entendimentos secretos que Goulart teria mantido com Juan Domingo Perón, então presidente da Argentina, no sentido da implantação no Brasil de uma república sindicalista, bem como a existência de contrabando de armas argentinas para o país.

Face à gravidade destas denúncias, o general Lott, atendendo à solicitação de parlamentares petebistas, ordenou a abertura de um inquérito policial-militar (IPM), que foi chefiado pelo general Emílio Maurel Filho.

Os primeiros resultados da sindicância efetuada em Buenos Aires, embora admitissem a autenticidade da denúncia, não chegaram a pesar em termos eleitorais, por terem sido divulgados no dia exato do pleito.

Essa questão, porém, só seria devidamente esclarecida quando, ao final da sindicância, foi comprovado que a carta havia sido forjada.
"



A pequena discordância no texto, se dá quando menciona que o General Lott atende a uma solicitação. Tendo conhecido o General, este impávido Soldado que é a quinta estrela da constelação de bravos e sérios comandantes que tivemos, posso assegurar que atendeu uma solicitação sim, mas o fez de moto próprio, tal a gravidade do "contrabando de armas". Quanto a "república sindicalista" todos já sabem do que se trata.

Escândalos e jornalismo

Não passa um dia em que não se promova um escândalo nos jornalões. A mídia anda vivendo só disso. Mas por que?
Responder com isenção é difícil, tal o primarismo, tal o vazio dos articulistas. Me pergunto se não existe cabedal de conhecimento e profissionalismo no jornalismo. Tenho que acreditar que exista e muito. E esta certeza vem de escritos de qualidade. E onde encontro estes escritos ? E como posso afirmar que existem artculistas e autores com rumo, com posição isenta e que emprestam a sua pena (ou teclado) a causa da verdade. Na internet, respondo.
Mas se a internet não alcança ainda a maior parte da população, como pode então a causa dos jornalões, da mídia televisiva também, estar tão em desacordo com o senso comum, a opinião geral? Será que não são mais capazes de motivar o grande público ? Será que não tem mais poder de convencimento ? Não creio. Creio sim que já exista, por parte da população, uma enorme capacidade de filtrar. Absorve-se o que é razoável, mas o que passa do mais raso bom senso é imediatamente expurgado. Este percurso de contra-mão que a mídia está percorrendo sabe-se claramente que atende a velhos e desgastados discursos e intenções oligárquicas, que já não tem mais o apoio do grande empresariado, da classe trabalhaora, e nem mais dos bancos internacionais. Por uma simples causa: ninguém quer se associar a derrotados, sem causa e sem mais futuro. A regra imposta pela dinâmica da moderna economia, da moderna civilização se baseia no presente e no futuro. Quem está apegado ao passado está inexoravelmente condenado a morrer. Alguém conhece pelo nome algum barão do café? Somente são conhecidos como grupo e como época. Foram banidos da história. Alguém conhece o nome do jornalista que "vazou" a Carta Brandi? (vou até procurar no CPDOC). Acho que nem os historiadores lembram de pronto; a história varreu.
O conselho que poderia dar, como cidadão da terceira (ou quarta ?) idade, a estes jornalistas que se prestam ao trabalho subalterno, talvez lucrativo no momento, é que tenham sempre em mente que serão julgados por seus descendentes. Com atenuantes é claro, mas com imparcialidade. E aí será triste.
Quanto a internet ? Ah, essa terá o mesmo destino que o rádio, a televisão. Já, já, será dominio de muitos, e não privilégio de poucos. Muitos escreverão, muitos, ou até todos, terão seus blogs, suas páginas, e ninguém mais vai se lembrar dos atuais escandalosos de aluguel. Vão se lembrar sim dos que construiram, dos que ousaram. Mas daqueles que estão por aí tentando desculpar a sua consciência; aqueles que se locupletaram dolosa ou culpadamente; aqueles cuja vaidade lhes impede de ver com clareza; a estes só resta o opróbio.

sexta-feira, 19 de março de 2010

Outra visão sobre os royalties

Foi retirada do blog do Nassif


19/03/2010 - 11:58
Royalties e qualidade de vida
Por Sérgio Troncoso

Nassif, acho que ainda dá para esticar o assunto dos royalties mais um pouco. As reinvindicações do RJ e ES tem lógica sob o ponto de vista da geografia orçamentária atual, mas sempre tem alguem olhando pelo outro ângulo, ou em alguns casos, ficando contra mesmo. Agora uma reportagem da BBC reclamando do uso incorreto do dinheiro.

Estudo: royalties não melhoraram vida em municípios produtores – Fabrícia Peixoto – BBC Brasil

Os royalties do petróleo não têm sido suficientes para melhorar a qualidade de vida da população nos principais municípios produtores, mostra um levantamento que vem sendo coordenado pelo professor Cláudio Dantas, do Departamento de Economia da Universidade Estadual Paulista (Unesp).

Segundo ele, os royalties “trouxeram a corrupção”, diante da falta de um marco regulatório sobre a aplicação dos recursos. “Isso não quer dizer que tenhamos de tirar os recursos desses municípios. Temos é que ter um controle forte sobre esses recursos”, diz o pesquisador.

Com foco nas principais cidades produtoras de petróleo, entre elas Campos e Macaé, no litoral norte do Rio de Janeiro, o Departamento vem analisando como os recursos do petróleo estão sendo aplicados nessas cidades – e seus efeitos na qualidade de vida.

Um dos estudos mostra que, desde 2004, o município de Campos gastou R$ 18 milhões em convênios com quatro hospitais da cidade, mas que o número de internações manteve-se o mesmo no período. Um outro levantamento indica um crescimento elevado nos gastos com Cultura – uma rubrica difícil de ser auditada, segundo Dantas.

quinta-feira, 18 de março de 2010

Royalties e Justiça

"O objetivo de uma economia não é o ganho, mas sim o bem-estar de toda a população.
O crescimento econômico não é um fim, mas um meio para dar vida a sociedades boas, humanas e justas. Não importa como chamamos os regimes que buscam essa finalidade. Importa unicamente como e com quais prioridades saberemos combinar as potencialidades do setor público e do setor privado nas nossas economias mistas. Essa é a prioridade política mais importante do século XXI
A análise é de Eric Hobsbawm."


Basta ler este pensamento de Eric Hobsbawn para refletir com equilíbrio sobre o assunto do dia: os royalties do petróleo. Que existem direitos adquiridos é verdade. Que existem riscos ecológicos é verdade. No entanto temos que ponderar que o Estado do Rio de Janeiro, cuja costa dista oitenta kilômetros da divisa com o Estado de Minas Gerais, tem os poços de exploração distantes mais de cem kilômetros da costa. De onde vem então a presunção ao royalty ? Entendo que a origem dos royalties advém da minérios descobertos no tempo de Serra Pelada. Entendo que existem compensações, mas como quantificar direitos? É tarefa muito difícil. Entendo ainda que não podemos criar "emirados" nos estados do Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Paulo, deixando o resto do Brasil sem sua parte no quinhão. A melhor divisão seria aquela proposta pelo Senador Renato Casagrande do Espírito Santo para as parcelas das receitas dos ICMS, onde seriam condicionadas ao IDH (índice de desenvolvimento humano) e agora eu também aporia o GINI. Aí sim, haveria justiça e estaríamos fazendo o que preconiza Eric Hobsbawm.
Minérios e petróleos à parte, a divisão de riqueza deve ser justa para que seja eficaz. Tomara que o Parlamento saiba dar a melhor solução para este problema que é de todos.

terça-feira, 16 de março de 2010

Tecnologia de gestão e fatos da história

A cultura do “management”, que vive na difusão de tantas siglas, não pode se dissociar da cultura histórica. Chamo de “management” o conjunto de saberes que englobam o “marketing”, o “planning”, o “project management” e tudo que trafega na superfície da cultura da administração de negócios. Chamo assim, de uma forma bem pessoal, explico. A primeira vez que tive contato mais íntimo com as expressões “programa”, “projeto”, “integração” foi no ano de 1963. O ano de 1963 jamais vai ser esquecido por quem quer que tenha vivido aqueles dias, principalmente aquele 22 de novembro. Esta associação de idéias, a morte de John Kennedy e os conceitos de administração e gerência ficaram indelevelmente marcados na minha lembrança, por díspares que possam parecer. Mas estes conceitos e o fim do sonho americano, que se inaugurou com a morte de JFK, muito têm a ver um com outro. Posso explicar também.

Nesta época estagiava na IBM, na fábrica de Benfica, no Rio de Janeiro, onde hoje estão instalados os estúdios da TV-Record. O primeiro computador transistorizado foi montado ali, o IBM-1401. Alimentado com cartões perfurados, tinha sua programação em linguagem de máquina. Processava-se nele Contabilidade, Folha de Pagamento em todas as aplicações que hoje não mudaram muito. Só que demorava uma eternidade se comparado as velocidades de hoje; mas fazia exatamente as mesmas coisas. Seis anos depois, ainda utilizando transistores, não haviam os circuitos integrados, os americanos foram a Lua. Kennedy não estava mais vivo para ver o que anunciara no seu discurso de 25 de maio de 1961. (no mesmo dia em que João Goulart discursava aos chineses vaticinando o progresso que estava por vir).
Imaginar a complexidade de levar o homem a Lua, sem microcomputadores é equivalente imaginar o projeto e a construção da Torre Eiffel sem máquina de calcular. Mas lá está ela, todos estes anos, firme, resistente aos ventos, corrosão e até a impacto. Já projetaram e construíram outras torres, com auxílio de fantásticos recursos de tecnologia de computação, mas não muito diferentes. O que então faz diferir um projeto do final do século IXX com os de agora. Apenas a natureza da aplicação dos recursos. Só, somente isso.

Quando notamos a fantástica velocidade da evolução tecnológica estamos como que embarcados naquele bonde de Viena que Einstein mencionou, para simplificar a explicação para os leigos, da Teoria da Relatividade. Percebemos a velocidade por estarmos embarcados no lado de dentro do vagão, independente se de primeira classe, se científica, se social ou política e culturalmente diverso. Observando a aplicação da tecnologia a partir de outro ponto, o mais externo possível, bem do alto, veremos que tal velocidade está absolutamente sincronizada com a própria forma como temos conduzido a sociedade na disponibilização dos recursos, na distribuição de riqueza, na disponibilização da energia; _ parece até parada.

Se não, vejamos: geramos a maior parte da energia queimando combustível da mesma forma como fizemos na Idade Média. Mantivemos uma relação de GINI estável em seus respectivos continentes, ao longo de décadas. No Brasil somente recentemente se observa uma melhora neste índice. No entanto, paralelamente a este quadro de aparente ineficiência econômica, nascem todos os dias siglas de métodos de gestão que só não prometem salvar o mundo e ressuscitar os mortos. A rigor vemos que todos buscam resolver uma questão crucial, que é o equilíbrio entre insumos e produtos, lucros e perdas, na busca de alcançar um maior lucro. Sem entrar no ramo da economia, pois sou confessadamente ignorante neste ramo, desconheço a existência de estudos, esforços de organização do saber e de metodologia, tanto pelo lado da academia, quanto pelo lado da hazienda, que possam correlacionar objetivamente esta sopa de letras com a melhoria de distribuição de riqueza. Fiz algumas pesquisas, mas confesso que o que vi foi muito superficial. Mas então como este fenômeno se acelerou após a morte de Kennedy? Lembram? Esta é a questão.
Nos idos de 1957 foi criada uma técnica denominada PERT (Program Evaluation and Review Tecnique). Devorei a bibliografia existente lá por 1963 e 1964. Derivada esta técnica desde a teoria dos Grafos, a organiza, a metodiza e viabiliza sua prática, e é até os dias de hoje muito utilizada na gestão das atividades de um projeto. Mas a Carta de Gantt, que data de 1917, também ainda é intensamente utilizada até hoje, dada a sua simplicidade cartesiana.
Evoluindo da simplicidade do registro da informação até a sua aplicação, temos de observar que, ainda mais...,o desenvolvimento do poderio industrial militar americano para poder levar o homem a Lua e, de quebra, sustentar a guerra do Vietnam, exigiu das empresas industriais um esforço, tanto técnico quanto gerencial, que não fora feito até então; mesmo considerando o período do início da Guerra Fria. Note-se que o lançamento do Sputnik soviético acabou por empurrar os americanos na direção da supremacia industrial e militar. Era isso o que Kennedy queria, dizendo no seu discurso de 1961. Mas a síntese deste esforço era: maximizar resultados e minimizar custos. Minimizar custos não apenas financeiros, mas custos sociais também, visto que a máquina social americana dos anos 60 operava segundo GINI´s equivalentes à década anterior. A contratação da mão-de-obra latino-americana imigrante, que se acelerou nesta década, à preços de ocasião, não tinha senão outra causa. Passou-se a buscar via as metodologias “científicas”, tornadas práticas pelo advento do computador digital, a resultante que habitava em outros extratos sócio-econômicos: uma utopia sem alma. O milagre japonês, que tantos minimizaram chamando-o de simples cópia, foi conseguido graças a medidas no âmbito sócio-cultural. Realmente houve cópia e importação de idéias e metodologias gerenciais, mas não todas; somente aquelas que se enquadravam no “ensemble” do projeto social nipônico.
A força que Kennedy impingiu não foi igualada até então, pois faltou a animação do líder carismático. O seu sucessor sequer sabia vencer uma guerra em escala limitada; deixou-a se alastrar, fazendo o jogo do inimigo. Este, mais sofrido e mais sábio militarmente acabou vencendo a guerra contra o Golias. Seus soldados tinham a motivação para a vitória. E aqui começa a analogia que citei no início do texto. Onde está a motivação para vencer coletivamente aqueles que aplicam estas metodologias, excelentes conquistas do pensamento técnico-gerencial, recurso que visa a minimização de custo e maximização do produto? Visam apenas o ganho restrito, pessoal. Realmente de nada adianta a instalação de PMI´s, CRM´s, PERT´s e demais sopa de letras, se o ganho final, a sua empresa e a sua coletividade, está longe de ser percebido e atingido por quem os aplica. Se utilizarmos o caso brasileiro, veremos que paradoxalmente desenvolvemos produtos informáticos de gestão, em meio à maior concentração de renda da história, incluindo aí a imperial. Até hoje assisto empresas de porte razoável as voltas com problemas de implantação de ERP´s, CRM´s, FMS´s, pagando fortunas a consultores e fornecedores que pouco vêem além do balanço anual, se isso. Caberia aqui uma pergunta maliciosa e escatológica: - Seria diferente na época de Kennedy? Acredito que sua falta, por estar distante 47 anos, não poderá ser associada a farra do consumo sem regras, que gerou a atual crise. Nem gosto de usar este nome, crise, pois esta disfunção é inerente a degradação espontânea de sistemas abertos. Houvesse uma diretriz social e humanitária ninguém estaria aqui falando de crise. Crise para quem “cara pálida”?. Para os africanos? Para os desvalidos da América Latina? Para aquele vizinho ali da favela ao lado?
Não posso vaticinar sobre o passado e tampouco estabelecer relações que não sejam fracas (perdoem-me a analogia com a física quântica), mas vejo que a formação de profissionais, futuros dirigentes, se baseando nessa cultura de superfície, nessa escuma que, mais cedo ou mais tarde irá se escoar pelo esgoto da história, terá de ser consertada. Temos que mudar o rumo desta evolução, que vista de cima, parece parada, pois está parada mesmo, enquanto não se modificarem os índices de distribuição de renda, enquanto não criarmos uma aliança para o progresso e para independência, sobretudo a do pensamento. De nada adianta certificações fajutas que não forem aquelas homologadas pelos nossos doutores e mestres compromissados com a causa social. De nada serve a construção de uma cultura paralela senão aquela que constrói a soberania.
Estamos dando muitos passos nesta direção sim, o mundo todo alias. Avançamos na liberdade de criação do software, na ampliação do conceito de liberdade do saber, que representa o software livre; na flexibilização de sistemas e na ampliação da base social que os construirá. Existe então um enorme salto a ser dado; salto, que interrompido pelo período ditatorial, por uma violação de direito, que, como disse o ex-senador Jarbas Passarinho, foi causado pela Guerra Fria. (Que vale que não estamos no Tribunal de Nuremberg. Lá, na tentativa de transferir para cima a responsabilidade sobre o massacre, se enrolava a corda ao pescoço. Não no sentido histórico e figurado, era forca mesmo). Não quero passar a corda no pescoço de ninguém, mas já acho bom irmos fazendo nossa contrição e preparando o caminho das futuras gerações, construindo os saberes profundos, não a escuma que nos levou a esta condição de colonizados culturalmente, mas a um futuro melhor.
Já está na hora de ir passando a borracha nas letrinhas da culturinha “neo-boba” e irmos tratando de dar acesso a academia para todos. Não podemos agora tentar subir até Lua, como tentou John Kennedy, mas pelo menos podemos tentar subir o morro para lá deixarmos a nossa marca de homens de cultura, e ainda de Homens de verdade.
Todos temos algo a dizer, muitos ousaram e foram calados para sempre (ledo engano), principalmente quando vemos que é possível dizer a verdade sem afetação nem frescuras, sem ter que usar siglas para esconder a falta de legitimidade.
Nota: Dois nomes foram aqui citados, John Kennedy e João Goulart, que não poderiam nem apartear, nem apoiar, nem tampouco criticar. Mas deles a história pode agora dizer: entendidos ou não à sua época, apoiados ou não, tiveram sua grandeza reconhecida. Um lutou pelos direitos de negros freqüentarem a escola. Custou, mas não foi em vão, disseram os americanos em 2008 com Barack Obama. O outro, lutou pelos direitos dos sindicatos e dos trabalhadores construírem um futuro em que sua nação não mais andasse submissa de pires na mão. Também custou, mas não foi em vão. Ambos são fatos da história, são fatos não opinião.

NOTA: O Coeficiente de Gini é uma medida de desigualdade desenvolvida pelo estatístico italiano Corrado Gini, e publicada no documento "Variabilità e mutabilità" (italiano: "variabilidade e mutabilidade"), em 1912. É comumente utilizada para calcular a desigualdade de distribuição de renda mas pode ser usada para qualquer distribuição. Consulta Wikipedia
Aldaíza Sposati - 32nd International Conference of Social Welfare ? Facing Poverty and Social Inequalities ? ICSW 32 ? 2006 Conference

segunda-feira, 15 de março de 2010

A Verdadeira Vitória

Este texto, escrito no meu blog hoje, domingo, após reflexão, serve para dar um testemunho de como, ultrapassando teorias, ou confirmando-as, sobrepujando dificuldades e enfrentando-as se alcançará a vitória.
Este testemunho mais do que ultrapassou os estudos de Taylor, Fayol, Sra. Parker e toda a matéria mais hodierna dos estimuladores de palco, analistas comportamentais, marketeiros de plantão. Poderia até repetir o poeta maior Gonçalves Dias: “meninos, eu ví”. Aproveitando a deixa repito: eu vi meninos donos de um grau enorme de responsabilidade, com uma motivação de deixar o mais refinado palestrante motivacional com água na boca. Lá estavam eles, na hora de seu almoço me esperando para mostrar um vídeo amador, produzido por eles próprios sobre a tecnologia de soldagem e fabricação de circuitos impressos. Nem Spielberg faria igual, tal a objetividade e a pureza do conteúdo e do propósito. Estava em Cariacica, Município da Grande Vitória, Espírito Santo. Poderia estar no ranking dos melhores salários, quase igual ao Vale do Silício, mas não. Poderia estar no hemisfério norte, em meio a um alto padrão de luxo nas instalações, mas não. Estavam no Brasil, sonhando com a Vitória. E porque este comportamento ? Eram melhores que os demais ? Não, eram bem parecidos. Que força motivadora os impulsionava ? Não tenho o poder de análise suficiente para detectar todos os componentes daquele processo, mas posso assegurar que lá existia uma enorme vontade lado á uma enorme auto-estima, gerada por um homem que vibrava pelos feitos de seus subordinados. Mas não era uma vibração teatral.
Já pude ver estes tipos. Fazem igualzinho como manda o manual, mas não dá certo, pois o sorriso sai parecido com o do Coringa do BatMan, ou da mulher do mágico que fica alí fazendo pose. Não, a vibração era verdadeira e perpassava a alma, e animava todos em volta. Lá estavam os melhores funcionários do mundo, o melhor ferramenteiro do hemisfério ocidental, o melhor operador de eletro-erosão que a Terra jamais viu.
Lá estavam homens e mulheres convidados para a festa da vitória, para festa em Vitória. Lá estavam os convidados para uma festa onde não haviam perdedores ou derrotados.
Vi jovens de espírito e de idade, vi vencedores. Não pude sair de lá sem falar com gratidão pelo ânimo que me injetaram. A mais alta e esperta tecnologia, sempre me inspiram e me animam. As mais sofisticadas soluções do engenho humano me motivam.
Mas nada pode mais me influenciar e me emocionar que ver os jovens de meu país saírem vitoriosos. Dar a estes a chance da vitória não passa de obrigação, mas poder vê-los no pódio é sentir um gosto que só a alma pode provar.
Já vi tempos difíceis de dominação vitoriana, onde somente nos restava abaixar a cabeça e cavar, para tirar ouro e minério. Mas hoje a emoção vitoriana é outra. É a emoção de ver em Vitória a vitória de meus jovens concidadãos, liderada por um jovem que empunha um escudo, com heráldica difícil de descrever, mas fácil de ler: Geocontrol.

sexta-feira, 12 de março de 2010

Negros na Universidade

Não saberia como defender posições neste debate sobre cotas (quotas é pedantismo) na Universidade. Nem à favor, tampouco contra; pois vejo que se tornarmos fácil a solução do problema de inclusão social ( e ela não é ), estaremos postergando a escola pública de qualidade para todo brasileiro, independente de cor, credo, o que seja. A escola primária de qualidade tem de ser a base de nossa libertação. Mais do que a Universidade.
No entanto negar que estamos atrasados mesmo, vivendo ainda em uma era colonial, onde existem mentes que não querem que nada mude, que se mantenha a pasmaceira neo-colonial, neo-liberal, onde o "neo" é apenas um som, sem qualquer ligação com o "novo". Simplesmente significa uma nova forma de colonialismo. Então fico realmente na dúvida. Mas à proporção que o debate avança algumas posições vão aparecendo, algumas máscaras vão caindo. Lentamente, mas as coisas vão clareando. Por esta razão transcrevo um texto de Elio Gaspari, sobre a fala de um senador que muito revela o pensamento (?) de uma das posições. Ei-lo:

" O senador Demóstenes Torres (DEM-GO) é uma espécie de líder parlamentar da oposição às cotas para estimular a entrada de negros nas universidades públicas. O principal argumento contra essa iniciativa contesta sua legalidade, e o caso está no Supremo Tribunal Federal, onde realizaram-se audiências públicas destinadas a enriquecer o debate.

Na quarta-feira o senador Demóstenes foi ao STF, argumentou contra as cotas e disse o seguinte:"[Fala-se que] as negras foram estupradas no Brasil. [Fala-se que] a miscigenação deu-se no Brasil pelo estupro. Gilberto Freyre, que hoje é renegado, mostra que isso se deu de forma muito mais consensual".

O senador precisa definir o que vem a ser "forma muito mais consensual" numa relação sexual entre um homem e uma mulher que, pela lei, podia ser açoitada, vendida e até mesmo separada dos filhos.Gilberto Freyre escreveu o seguinte:

"Não há escravidão sem depravação sexual. É da essência mesma do regime".
"O que a negra da senzala fez foi facilitar a depravação com a sua docilidade de escrava: abrindo as pernas ao primeiro desejo do sinhô-moço. Desejo, não: ordem."
"Não eram as negras que iam esfregar-se pelas pernas dos adolescentes louros: estes é que no sul dos Estados Unidos, como nos engenhos de cana do Brasil, os filhos dos senhores, criavam-se desde pequenos para garanhões. (...) Imagine-se um país com os meninos armados de faca de ponta! Pois foi assim o Brasil do tempo da escravidão."
Demóstenes Torres disse mais:

"Todos nós sabemos que a África subsaariana forneceu escravos para o mundo antigo, para o mundo islâmico, para a Europa e para a América. Lamentavelmente. Não deveriam ter chegado aqui na condição de escravos. Mas chegaram. (...) Até o princípio do século 20, o escravo era o principal item de exportação da economia africana".

Nós, quem, cara-pálida? Ao longo de três séculos, algo entre 9 milhões e 12 milhões de africanos foram tirados de suas terras e trazidos para a América. O tráfico negreiro foi um empreendimento das metrópoles europeias e de suas colônias americanas. Se a instituição fosse africana, os filhos brasileiros dos escravos seriam trabalhadores livres.

No início do século 20 os escravos não eram o principal "item de exportação da economia africana". Àquela altura o tráfico tornara-se economicamente irrelevante. Ademais, não existia "economia africana", pois o continente fora partilhado pelas potências europeias. Demóstenes Torres estudou história com o professor de contabilidade de seu ex-correligionário José Roberto Arruda.O senador exibiu um pedaço do nível intelectual mobilizado no combate às cotas. ELIO GASPARI"

segunda-feira, 8 de março de 2010

O guarda do banco, meu companheiro de caminhada.

Bem me lembro de um final de tarde caminhando pela Vanderbilt Avenue em Nova York, quando fui abordado na esquina com a 42, quase em frente ao Mello (o Mello aqui é meio gíria de Mellon Bank, mas insisto em assim pronunciar com intimidade, pois me considero meio parente via lado materno do fundador há mais de seis gerações, mas... não há nenhuma chance de herança). Era o ano de 1973 e nevava mesmo naquele janeiro super frio. Pensei que era um pedinte enregelado, não era, depois pensei que era assalto, também não era. O homem me oferecia crack por um preço bem barato. Estou falando de crack, coisa que aqui nem se conhecia. Reparei à distância um policial que observava a cena. Nem pensei em chamá-lo; os americanos chamavam os latinos, como eu, de cockroack (ou corochos como mesmo diziam os portorriquenhos) o que quer dizer “barata”, aquele inseto que habita o lixo. Como “barata esperta não atravessa galinheiro” era óbvio que eu não tinha nada que me meter nos “assuntos internos” dos outros (“assuntos internos” é como lá chamam a Corregedoria de Polícia). Não havia câmeras filmando, não havia nada a não ser transeuntes que passavam e não davam a mínima para o que se passava. Talvez pensassem: mais um latino viciado. Diferentemente do Michael Jackson não podia esconder minha morenice, era latino mesmo. Pude perceber então que o que havia era a existência de uma sociedade leniente, conivente e alienada. Talvez por vergonha, pois naquela época muitos dos “rapazes” que embarcaram heróis para o Vietnam voltavam dependentes de droga, derrotados, tanto militarmente quanto moralmente. Talvez pela parte saxônica em suas origens, talvez pelo fato que valorizavam o dinheiro mais do que tudo, não fora por acaso que Reagan oito anos depois mandou o Estado americano às favas; inaugurou o cassino global. Não posso precisar as causas daquela decadência, que depois soube ter sido minimizada pelo prefeito Rodolfo Giuliani com o programa “Tolerância Zero” à qual está subordinada a NYPD (New York Police Depart.), polícia municipal, que deve estar pagando pensão para aquele policial que me observava nos idos de 1973.

Passei uns oito anos depois na mesma esquina e já havia algumas câmeras apontando para aquele lugar em que outrora eu fora abordado como potencial consumidor de uma droga que ainda não havia chegado às ruas da minha cidade maravilhosa. Ninguém me oferecera mais uma pedra de crack, não fui abordado por ninguém, apenas o ponto de venda, a “estica”, mudara de lugar. O pessoal da segurança do banco botou os traficantes pra correr dalí, acabei sabendo por um segurança antigo que “hablava castellano” e insistia em praticar o idioma comigo, toda vez que ia lá pegar minhas diárias de viagem. Jamais consegui convencê-lo que se falava português por aqui. Não havia jeito, português era alguma língua lá da Europa. Mas ele mesmo, descendente de portorriquenhos, não o policial, tinha posto pra correr aqueles restos humanos que vendiam crack pra custear o seu consumo, alguns retornados do Vietnam com o peito cheio de medalhas. Parei naquela esquina e fiquei pensando naqueles meus compatriotas, (excluí o da minha casa, diga-se de passagem, era muito íntimo, muito), que retornaram da Itália em 1945 com a sensação de dever cumprido e prestigiado pelos seus. O lá de casa jamais se perdoou por ter matado jovens que nem ele. Morreu com esta mágoa cinqüenta e cinco anos depois. Começou a nevar, fui embora.

Fico refletindo qual teria sido a diferença entre a oferta escancarada dos anos 70 e a mais controlada do anos 80 ou mesmo 90. O que fez reduzir aquele escândalo? As câmeras? O segurança do banco? O “Tolerância Zero” do Giuliani? A conscientização da população? Ou todas acima sinergicamente combinadas?
Para mim parece claro que problemas desta dimensão e desta complexidade não comportam soluções únicas e simplistas. Implicam na articulação de diversos atores, os diferentes agentes de mudanças; e isto tem que ser grifado: agentes de Mudanças. De nada adianta a tentativa, por maior que seja a boa vontade em empreendê-la, por maior que seja o rigor em imprimi-la, se as mentes dos atores estiverem organizadas segundo valores e cânones do passado. Quem quiser abordar e resolver problema desta magnitude terá de partir de referenciais muito mais abrangentes do que a história escreveu; pois ela mesma continha as causas do problema, visto que este problema, sendo causa de muitos outros, é conseqüência de vários erros sociais e políticos que a antecedem. Sequer existe a justificativa no caso novayorquino de falta de recursos para resolvê-los. Esta sociedade era incapaz de se defender de si mesmo. Vinte anos depois se confirmava esta incapacidade. O ano de 2001 serviu como marco referencial da gigantesca aplicação de tecnologia e a incapacidade de fazê-la funcionar sinergicamente na solução de um problema. Era mais fácil colocar um veículo em Marte do que padronizar os rádios dos Bombeiros e sincronizá-los com os dos policiais que desciam as escadarias das torres do WTC. Mais de cinco mil mortos e uma destruição sem sentido, simplesmente porque no seio de sistema de segurança, suas câmeras, computadores e toda parafernália eletrônica, habitavam as causas da sua destruição. As mesmas causas que levaram o herói esquecido a vender crack em meio ao descaso dos transeuntes, em meio ao silêncio covarde dos que entravam e saiam do banco, aplicando suas economias na jogatina que se inaugurava, alardeada pelos que não mais podiam aplicar em ações das fábricas de armamentos que deixaram de ser consumidos no Vietnam. A segurança tinha sido orientada a proteger o banco e tolerou a ação indevida de um agente privado, pois o Estado estava ocupado com coisas “mais importantes” como os “Iran contra”, sem se perceber que a explosão do 747 da PANAM em Lockerbie, na Escócia em 1988, já tinha anunciado o que estava por vir. Em 1993, quando tentaram explodir as fundações do WTC, aí foi escandaloso. Todos os atentados precedentes foram financiados por ações quase inocentes: venda de produto pirata, cd´s e outros mais; exploração de jogo ilegal, exploração de casas noturnas suspeitas, e especulação na bolsa, e por aí vai. Ou seja, financiadas por atividades ilegais, ou quase, mas toleradas pelo senso comum, pelos cidadãos de bem.

Este artigo tem também esta finalidade, a de chamar atenção para o fato que a tecnologia é um fantástico catalisador de mudanças, desde que aplicado na reação certa, na quantidade certa, na forma correta, na temperatura conveniente para um fim definido. Fiz questão de citar o caso americano por ser mais do que emblemático; abundância de tecnologia e escassez de inteligência. Inteligência no sentido policial e no sentido comum.

Já vi pela internet cidades que instalaram milhares de câmeras de segurança distribuídas segundo alguma forma. Acredito que tenha existido uma redução da criminalidade de rua nas áreas cobertas pelo seu raio de alcance, tanto pela inibição, quanto pelo favorecimento da ação policial corretiva e preventiva. O aumento de número de câmeras espalhadas segundo uma estratégia de máxima cobertura terá uma conseqüente redução da criminalidade de rua, é senso comum. E aí vem a pergunta que é obvia, mesmo para quem não pratica a ação policial:- E as áreas onde a câmera não cobre, ou nem pode ser instalada? Estas áreas, evidentemente, dependerão da ação de outros agentes causais; sejam estes de natureza assistencial ou mesmo as que se ausentaram, o saneamento, a coleta de lixo, a escola de qualidade e, principalmente, a atenção dos demais concidadãos, que vem fechando os olhos para não ver até que ponto chega a alienação, o descaso, igual aqueles transeuntes que me olhavam como mais um viciado latino em Nova York.

Creio que o aprendizado é um processo contínuo, quando se parte das experiências e erros alheios e mesmo dos próprios. Experiências estas sempre realizadas no processo de solucionamento de problemas, sempre dirigidas ao útil; esteja o problema no plano prático ou no plano teórico. Mas para que o processo de aprendizado se instaure no indivíduo ou na coletividade, será necessária a estimulação de potencialidades daquele específico indivíduo ou do grupo, diria Vygotsky, no processo de contextualização do problema estudado através das informações que até ele chegam. Ressalta-se ainda a importância da contextualização da informação, no sentido de ofertar adequadamente diferentes visões sobre o objeto de estudo, gerando conflitos de idéias, essenciais para a acomodação do conhecimento. Fico me perguntando quanto de reflexão ou mesmo de debate foi despendido após Lockerbie, após 1998 e outros episódios. Foi o suficiente? Foram, o debate e a reflexão, precedidos da seleção dos elementos potenciais dos agentes da segurança? Foram aplicados conceitos vigentes, ou foram exercitados novos conceitos, novas estratégias, novas abordagens, partindo das potencialidades daqueles que praticavam a segurança? Estas questões terão de ser colocadas em qualquer que seja o fórum ou projeto relativo à segurança pública. E serão inevitáveis para a maioria das grandes capitais do mundo, mesmo nos países desenvolvidos, que se deparam com questões de exclusão social, crime organizado, descaminho de adolescentes, disseminação do uso de drogas sintéticas, pedofilia e um rol de maldades que não tem fim. Em todos os casos, a concatenação de fatores que se originam no seio da sociedade, nas suas disfunções, no ciclo vicioso das suas insuficiências, se realimentando em favor do crime, que em última instância, qualquer que seja o nível da riqueza da sociedade, é fruto da acomodação, da preguiça, e sempre, da conivência de alguém que beneficia de alguma forma, ou seja, da corrupção. Romper este ciclo vicioso é um desafio para todos os estados, todos países, principalmente aqueles onde a aglomeração se combina com a exclusão social. Só com a inteligência é possível quebrar este ciclo de dependências. Conforme Beltrame, 2008: Acima de tudo, romper a barreira imposta pelo crime requer uma virtuosa conjugação entre repressão e inteligência, prevenção e ataques à corrupção, integração entre práticas policiais e ações sociais em ambientes convulsivos. Se isso não ocorrer, a polícia acaba "enxugando gelo". A citação serve para embasar o conceito de sinergia positiva, por quem mais está envolvido nos problemas e nas soluções da Segurança Pública no nosso Estado. A expressão “enxugando gelo” bem expressa a resultante final da ação inócua, improdutiva e que consome recursos, até caros.

Esta conjugação dos dois agentes, um repressor, outro preventivo está perfeitamente em fase com o princípio da estabilidade dos sistemas. A degradação natural dos sistemas somente pode ser evitada com ação corretiva, isolando os agentes de “perda de energia”, os agentes desagregadores. A manutenção do estado organizado somente pode ser conseguida com aporte de energia. Por um lado, a ação que controla e limita a degradação, por outro, a ação que evita e previne o processo de decomposição. Estas duas vertentes têm de estar presentes no desenvolvimento e na concepção dos nossos projetos.

No desenvolvimento de projetos desta natureza, por maior que seja o aporte de tecnologia, vários componentes de estrutura, funcionalidade, comportamento e interação terão de ser avaliados perante as condições de uso, ou seja, perante as particularidades do ambiente social, econômico, financeiro, legal, geográfico, topológico, climatológico; em fim, perante a percepção da realidade. E é aí que se estabelece a dicotomia máxima do processo criativo: enxergar o conjunto geral e ao mesmo tempo perceber o detalhe. Só o olho da águia é capaz desta difícil tarefa: enxergar a área de cima, a mais ampla possível, e mirar na presa menor possível; se mirar apenas as grandes presas, baseado em estatísticas podemos afirmar: morrerá de fome. Temos que copiar da natureza, mais uma vez, esta habilidade. A habilidade de ver o todo e a parte seletivamente. Esta habilidade está intimamente ligada à capacidade de se ajustar rapidamente ao ambiente, à situação que nos encontramos, a distância entre o nosso objetivo e a posição presente, graduando o foco de nossa percepção.
O que desejar desenvolver projetos que apóiem a segurança, que contribuam realmente para a defesa da sociedade, do ponto de vista de sua eficácia, terá de observar este preceito: o de avaliar a sua inserção no contexto social e a de avaliar a sua operabilidade em uma extensa gama de situações, previsíveis e imaginárias. Será realista e visionário, terá de ser humilde e corajoso, terá de perceber a grandeza da visão das alturas e a paixão pelos detalhes.

Não temos torres tão grandes para proteger, não temos a riqueza ostensiva a defender, mas temos uma população que deseja desesperadamente alcançar níveis mínimos de cidadania e civilidade, deixando de ser escrava de traficantes, malfeitores e milicianos que cresceram em meio à ausência do direito, em meio à ausência da justiça, desfeita pelo arbítrio imposto de fora para dentro durante toda uma geração; arbítrio fomentador da impunidade que alimentou o verme da corrupção que devora as nossas entranhas.

O crack acabou chegando aqui; nem imaginava, há mais de trinta anos atrás, que eu mesmo iria participar de um combate que começou caminhando com um velho guarda portorriquenho lá no lado de cima do planeta. Diria para ele como epitáfio: El caminar hace el camino.

sábado, 6 de março de 2010

Desenvolver sistema, lembra Gilberto Gil.

Há alguns anos me aventurei a escrever um livro que denominei "A árvore da acácia" com o subtítulo "Aaron Hakodesh". O nome advinha de uma citação que coloquei em um capítulo onde descrevi a minha emoção de descrobrir a primeira citação a uma "Bill of Material", que queria inserir no contexto dos sistemas de cálculo de necessidade industrais, o MRP (Material Requirements Planning" lá pelos anos 70, o MRP II (Manufacturing Resources Planning), acróstico do primeiro, mas na realidade um avanço metodológico considerável pressionado pelos avanços tecnológicos e pela divulgação dos métodos japoneses Kan-Ban, JIT (just-in-time) e outros. A citação era transcrita do Livro do Êxodo 38:1 e esta descrevia o material, as medidas, a forma de fazer e a sua utilidade. Comparando com os requisitos de dados dos sistemas que estavam compondo aquele capítulo, não restava dúvida, lá estava o princípio do "Bill-of-Material". Estava lá na Bíblia, pra qualquer um ver; não era invenção minha.

A comparação era de certa forma um ato de fé, pois não tivesse eu dado nenhuma importância aquela leitura não seria esta referenciada. Mas não foi uma fé virtuosa apenas que me levou a fazer tal analogia. Foi um episódio absolutamente fortuito: _ Certa vez vendo um programa de tv chamado "A vida secreta das plantas" apresentado pelo naturalista inglês Sir David Attenborough, achei o elo que faltava entre o princípio dos sistemas industriais e dos elementos que as minhas pífias capacidades de exegese. Dizia Attenborough, da disseminação das sementes da árvore de acácia, mencionada no texto bíblico, que era feita pelos elefantes africanos, que comiam as sementes da árvore e a liberavam, após o imenso trato intestinal e deixavam-na de volta à natureza a muitos quilômetros depois, ainda regando-as com generosa dose de amônia, fazendo desta árvore a mais comum, a mais fácil de ser encontrada.Um sistema complexo ecológico interagindo com um complexo mítico e derivando em uma visão sistêmica industrial. (Daria para mais conversas...)

Agora vinha o pensamento e o questionamento: - A madeira da árvore que iria construir a arca era a menos nobre, a mais comum, e iria ter junto com a forração de ouro, nobilíssima, a função mais sagrada.

A mais simples ideia de exegese diria, que é mesmo nos simples que se aporá a forração apropriada para a missão mais nobre. Os demais desdobramentos exegetas não valem aqui serem mencionados, mas ficou o princípio básico que fé e razão não andam separadas ( a madeira é simplória, a forração é nobre e ambas andam juntas na mesma missão).

Tais desdobramentos levaram-me a tratar outros aspectos da experiência de de construtor de sistemas computacionais, o meu humilde ganha-pão.

. Da experiência de se construir sistemas podemos antes de tudo ver a dificuldade de saber qual o sistema a ser construído.

.Primeiramente pergunte aos responsáveis qual o objetivo e para que servirá tal e qualquer sistema, desde a pequena até a grande organização, seja empresarial, seja governamental e terá as mais variadas respostas. Após esforço metodológico e horas de consultoria obterá então um razoável e suficiente consenso.

.Logo após, se perguntar para quem estará servindo o sistema, repetir-se-á o mesmo processo de consensualização, com horas de discussão e convencimento.

.Logo depois virá o como, e então repetir-se-á o mesmo processo entre os técnicos.

.Estabelecer o quando implantar é tarefa tão árdua ou mais, quanto as demais já mencionadas.

. E executar as tarefas, sem deixar que se desviem do que foi traçado após o esforço de definição do "qual", "para que", "como" e "quando" requer determinação e energia. Isto a literatura pouco fala, pois os autores, ou são por demais acadêmicos, ou não querem parecer capatazes.

Mas a realidade é sintetizada em uma única palavra: compromisso. Este advém da aplicação de regras morais e da fé.

Toda a literatura que já foi produzida desde os tempos do MRPdesde os anos 70, quando comecei a me aprofundar no tema, sempre indica como fator de sucesso o envolvimento da maior autoridade da empresa, como forma de fazer vencer diferenças de opinião, quando não de luta por prestígio e interesses pessoais. Pura verdade, mas até a maior autoridade terá de ter fé nos subordinados.

Várias frases jocosas já foram ditas, sobre a premiação dos que nada fizeram e o opróbio dos verdadeiros trabalhadores, etc... No entanto tais injustiças e desdobramentos são derivados da postura meramente profissional. Não basta, tem de haver garra no que se faz, tem que ter fé e absoluta vontade de servir. Caso contrário acaba-se vendo realmente injustiças e pior, insucesso.

Por maior que tenha sido o feito tecnológico, antes havia uma vontade e uma enorme fé. O discurso do Presidente Kennedy ao Senado em 25 de maio de 1961 foi a peça fundamental que fez o homem ir a Lua. Foi o discurso da vontade. Um preço altíssimo que só a fé poderia pagar. Ano que vem, nesta data, fazendo cinquenta anos, o mundo estará lembrando das suas palavras, mas ainda, alguns de nós, estaremos querendo construir sistemas por alguns trocados.

Temos competência, técnica, temos de buscar o impossível então.

Gilberto Gil cantava: Segura com fé eu vou, a fé não costuma faiá...

Tão primitivo, tão grandioso, tão vidente.

sexta-feira, 5 de março de 2010

Nem Gilberto Freire, reedição

Tive que rever o texto publicado em março deste ano para poder re-refletir sobre o previsto e o ocorrido, passadas as eleições. Vale, para mim mesmo, uma releitura, uma nova visão. Eis o texto passado:...

Por que Lula escolheu uma mulher para lhe suceder ? Esta pergunta que fiz a mim mesmo, tenta encontrar algumas respostas e quase todas as tentativas fogem do campo político. Tentei também perguntar a outras mulheres e sinceramente não tive nenhuma resposta que me convencesse que estas teriam alguma pista sobre a verdadeira origem.
Que existem nos quadros do governo nomes de extrema competência e com maior exposição e até carisma, não tanto quanto o Metalúrgico, é inegável. Que havia nomes que além de competentes dariam menos trabalho para se propagandizar, também é verdade. Afinal por que escolher um nome que, apesar de sua comprovada competência, está dando um trabalho danado para se tornar popular ?
Para não perder uma oportunidade histórica de quebrar um paradigma. Esta é a única resposta que me ocorre. Não de quebar um paradigma, mas vários. E é este exercício de reflexão e atitude que Lula está obrigando a toda nação a fazer.
Temos de ter em mente que estivemos muito tempo vivendo uma mentira, vivendo na ilha da fantasia do neoliberalismo, onde a riqueza das nações nascia do nada, como se isto fosse possível. Temos que ter em mente que nem os construtores desta grande mentira, ou miragem diriam alguns mais contritos, tinham memória suficiente para sustentá-la durante tanto tempo, tampouco as nações poderiam sustentá-la sem corroer os fundamentos de suas economias. Tem até uma frase de Lincoln que diz que "nenhum mentiroso tem uma memória suficientemente boa para ser um mentiroso de êxito". Estes últimos oito anos foram suficientes para mudar os fundamentos da economia, ou melhor, para reforçá-los, e então expor a mentira neo-boba, como dizia o ex, o sociólogo. Foram suficientes estes oito anos para por a casa em ordem em termos materiais. Mas foram suficientes para resgatar a nossa auto-estima na medida do necessário à aspiração a um futuro mais digno, do que daqueles subservientes lacaios de colarinho branco ?
Para tanto será necessário uma quebra de paradigmas em larga escala. Para tanto temos que olhar para dentro da alma do povo e de lá extirpar valores arcaicos e provincianos. Ser comandado por uma mulher: veja como soa esta frase no inconsciente coletivo. Não tenhamos dúvida que na maioria dos inconscientes soa como captulação, soa como uma derrota.
Ao quebrarmos o paradigma de comando apenas masculino estaremos abrindo espaço para outros avanços e acelerando a evolução para estágios mais maduros de socialização.
Entendo também que a Dona Dilma traz consigo ainda um ícone insuplantável, incômodo para muitos ainda.
Mas é esta mesma semiologia do valente, do intrépido, do rigoroso, que a faz transitar desde a rejeição até a liderança combativa; retira-se o complexo de Amélia e se entroniza Joana D´Arc na alma dos brasileiros.
Lula, que mais do que Presidente foi o nervo exposto da grande massa de excluídos, soube, por que lá vivia, fazer nascer de dentro da alma a aspiração e a fé num futuro mais digno para os seus descendentes, outrora inexoravelmente condenados à exclusão, à miséria, à fome, à marginalidade, ao sub-emprego.
Desta brutal sensibilidade soube captar, ou construir, um símbolo que jamais se tentou ver; que Gilberto Freire tentara em vão.
Mas não basta esta visão profética, não basta esta sensibilidade extremada, se não tivermos a capacidade de convivência com os diferentes. Convivência interna e externa. Convivência com nossos vizinhos andinos e platinos. Temos de dar uma lição de evolução e de democracia, que tanto faltou na nossa história. Mas então repito uma frase que João Paulo II disse em Vitória: "A democracia precisa da virtude, se não quiser ir contra tudo o que pretende defender e estimular".
Se Lula enxergou em Dilma uma virtude, pois ela nãopoderá ter todas, esta foi a da coragem e da honestidade de propósito.
Pois vamos concluindo perguntar: - Alguém pensou que algum dia teríamos uma mulher canditada a Presidente da República ? Nem Gilberto Freire.