terça-feira, 16 de março de 2010

Tecnologia de gestão e fatos da história

A cultura do “management”, que vive na difusão de tantas siglas, não pode se dissociar da cultura histórica. Chamo de “management” o conjunto de saberes que englobam o “marketing”, o “planning”, o “project management” e tudo que trafega na superfície da cultura da administração de negócios. Chamo assim, de uma forma bem pessoal, explico. A primeira vez que tive contato mais íntimo com as expressões “programa”, “projeto”, “integração” foi no ano de 1963. O ano de 1963 jamais vai ser esquecido por quem quer que tenha vivido aqueles dias, principalmente aquele 22 de novembro. Esta associação de idéias, a morte de John Kennedy e os conceitos de administração e gerência ficaram indelevelmente marcados na minha lembrança, por díspares que possam parecer. Mas estes conceitos e o fim do sonho americano, que se inaugurou com a morte de JFK, muito têm a ver um com outro. Posso explicar também.

Nesta época estagiava na IBM, na fábrica de Benfica, no Rio de Janeiro, onde hoje estão instalados os estúdios da TV-Record. O primeiro computador transistorizado foi montado ali, o IBM-1401. Alimentado com cartões perfurados, tinha sua programação em linguagem de máquina. Processava-se nele Contabilidade, Folha de Pagamento em todas as aplicações que hoje não mudaram muito. Só que demorava uma eternidade se comparado as velocidades de hoje; mas fazia exatamente as mesmas coisas. Seis anos depois, ainda utilizando transistores, não haviam os circuitos integrados, os americanos foram a Lua. Kennedy não estava mais vivo para ver o que anunciara no seu discurso de 25 de maio de 1961. (no mesmo dia em que João Goulart discursava aos chineses vaticinando o progresso que estava por vir).
Imaginar a complexidade de levar o homem a Lua, sem microcomputadores é equivalente imaginar o projeto e a construção da Torre Eiffel sem máquina de calcular. Mas lá está ela, todos estes anos, firme, resistente aos ventos, corrosão e até a impacto. Já projetaram e construíram outras torres, com auxílio de fantásticos recursos de tecnologia de computação, mas não muito diferentes. O que então faz diferir um projeto do final do século IXX com os de agora. Apenas a natureza da aplicação dos recursos. Só, somente isso.

Quando notamos a fantástica velocidade da evolução tecnológica estamos como que embarcados naquele bonde de Viena que Einstein mencionou, para simplificar a explicação para os leigos, da Teoria da Relatividade. Percebemos a velocidade por estarmos embarcados no lado de dentro do vagão, independente se de primeira classe, se científica, se social ou política e culturalmente diverso. Observando a aplicação da tecnologia a partir de outro ponto, o mais externo possível, bem do alto, veremos que tal velocidade está absolutamente sincronizada com a própria forma como temos conduzido a sociedade na disponibilização dos recursos, na distribuição de riqueza, na disponibilização da energia; _ parece até parada.

Se não, vejamos: geramos a maior parte da energia queimando combustível da mesma forma como fizemos na Idade Média. Mantivemos uma relação de GINI estável em seus respectivos continentes, ao longo de décadas. No Brasil somente recentemente se observa uma melhora neste índice. No entanto, paralelamente a este quadro de aparente ineficiência econômica, nascem todos os dias siglas de métodos de gestão que só não prometem salvar o mundo e ressuscitar os mortos. A rigor vemos que todos buscam resolver uma questão crucial, que é o equilíbrio entre insumos e produtos, lucros e perdas, na busca de alcançar um maior lucro. Sem entrar no ramo da economia, pois sou confessadamente ignorante neste ramo, desconheço a existência de estudos, esforços de organização do saber e de metodologia, tanto pelo lado da academia, quanto pelo lado da hazienda, que possam correlacionar objetivamente esta sopa de letras com a melhoria de distribuição de riqueza. Fiz algumas pesquisas, mas confesso que o que vi foi muito superficial. Mas então como este fenômeno se acelerou após a morte de Kennedy? Lembram? Esta é a questão.
Nos idos de 1957 foi criada uma técnica denominada PERT (Program Evaluation and Review Tecnique). Devorei a bibliografia existente lá por 1963 e 1964. Derivada esta técnica desde a teoria dos Grafos, a organiza, a metodiza e viabiliza sua prática, e é até os dias de hoje muito utilizada na gestão das atividades de um projeto. Mas a Carta de Gantt, que data de 1917, também ainda é intensamente utilizada até hoje, dada a sua simplicidade cartesiana.
Evoluindo da simplicidade do registro da informação até a sua aplicação, temos de observar que, ainda mais...,o desenvolvimento do poderio industrial militar americano para poder levar o homem a Lua e, de quebra, sustentar a guerra do Vietnam, exigiu das empresas industriais um esforço, tanto técnico quanto gerencial, que não fora feito até então; mesmo considerando o período do início da Guerra Fria. Note-se que o lançamento do Sputnik soviético acabou por empurrar os americanos na direção da supremacia industrial e militar. Era isso o que Kennedy queria, dizendo no seu discurso de 1961. Mas a síntese deste esforço era: maximizar resultados e minimizar custos. Minimizar custos não apenas financeiros, mas custos sociais também, visto que a máquina social americana dos anos 60 operava segundo GINI´s equivalentes à década anterior. A contratação da mão-de-obra latino-americana imigrante, que se acelerou nesta década, à preços de ocasião, não tinha senão outra causa. Passou-se a buscar via as metodologias “científicas”, tornadas práticas pelo advento do computador digital, a resultante que habitava em outros extratos sócio-econômicos: uma utopia sem alma. O milagre japonês, que tantos minimizaram chamando-o de simples cópia, foi conseguido graças a medidas no âmbito sócio-cultural. Realmente houve cópia e importação de idéias e metodologias gerenciais, mas não todas; somente aquelas que se enquadravam no “ensemble” do projeto social nipônico.
A força que Kennedy impingiu não foi igualada até então, pois faltou a animação do líder carismático. O seu sucessor sequer sabia vencer uma guerra em escala limitada; deixou-a se alastrar, fazendo o jogo do inimigo. Este, mais sofrido e mais sábio militarmente acabou vencendo a guerra contra o Golias. Seus soldados tinham a motivação para a vitória. E aqui começa a analogia que citei no início do texto. Onde está a motivação para vencer coletivamente aqueles que aplicam estas metodologias, excelentes conquistas do pensamento técnico-gerencial, recurso que visa a minimização de custo e maximização do produto? Visam apenas o ganho restrito, pessoal. Realmente de nada adianta a instalação de PMI´s, CRM´s, PERT´s e demais sopa de letras, se o ganho final, a sua empresa e a sua coletividade, está longe de ser percebido e atingido por quem os aplica. Se utilizarmos o caso brasileiro, veremos que paradoxalmente desenvolvemos produtos informáticos de gestão, em meio à maior concentração de renda da história, incluindo aí a imperial. Até hoje assisto empresas de porte razoável as voltas com problemas de implantação de ERP´s, CRM´s, FMS´s, pagando fortunas a consultores e fornecedores que pouco vêem além do balanço anual, se isso. Caberia aqui uma pergunta maliciosa e escatológica: - Seria diferente na época de Kennedy? Acredito que sua falta, por estar distante 47 anos, não poderá ser associada a farra do consumo sem regras, que gerou a atual crise. Nem gosto de usar este nome, crise, pois esta disfunção é inerente a degradação espontânea de sistemas abertos. Houvesse uma diretriz social e humanitária ninguém estaria aqui falando de crise. Crise para quem “cara pálida”?. Para os africanos? Para os desvalidos da América Latina? Para aquele vizinho ali da favela ao lado?
Não posso vaticinar sobre o passado e tampouco estabelecer relações que não sejam fracas (perdoem-me a analogia com a física quântica), mas vejo que a formação de profissionais, futuros dirigentes, se baseando nessa cultura de superfície, nessa escuma que, mais cedo ou mais tarde irá se escoar pelo esgoto da história, terá de ser consertada. Temos que mudar o rumo desta evolução, que vista de cima, parece parada, pois está parada mesmo, enquanto não se modificarem os índices de distribuição de renda, enquanto não criarmos uma aliança para o progresso e para independência, sobretudo a do pensamento. De nada adianta certificações fajutas que não forem aquelas homologadas pelos nossos doutores e mestres compromissados com a causa social. De nada serve a construção de uma cultura paralela senão aquela que constrói a soberania.
Estamos dando muitos passos nesta direção sim, o mundo todo alias. Avançamos na liberdade de criação do software, na ampliação do conceito de liberdade do saber, que representa o software livre; na flexibilização de sistemas e na ampliação da base social que os construirá. Existe então um enorme salto a ser dado; salto, que interrompido pelo período ditatorial, por uma violação de direito, que, como disse o ex-senador Jarbas Passarinho, foi causado pela Guerra Fria. (Que vale que não estamos no Tribunal de Nuremberg. Lá, na tentativa de transferir para cima a responsabilidade sobre o massacre, se enrolava a corda ao pescoço. Não no sentido histórico e figurado, era forca mesmo). Não quero passar a corda no pescoço de ninguém, mas já acho bom irmos fazendo nossa contrição e preparando o caminho das futuras gerações, construindo os saberes profundos, não a escuma que nos levou a esta condição de colonizados culturalmente, mas a um futuro melhor.
Já está na hora de ir passando a borracha nas letrinhas da culturinha “neo-boba” e irmos tratando de dar acesso a academia para todos. Não podemos agora tentar subir até Lua, como tentou John Kennedy, mas pelo menos podemos tentar subir o morro para lá deixarmos a nossa marca de homens de cultura, e ainda de Homens de verdade.
Todos temos algo a dizer, muitos ousaram e foram calados para sempre (ledo engano), principalmente quando vemos que é possível dizer a verdade sem afetação nem frescuras, sem ter que usar siglas para esconder a falta de legitimidade.
Nota: Dois nomes foram aqui citados, John Kennedy e João Goulart, que não poderiam nem apartear, nem apoiar, nem tampouco criticar. Mas deles a história pode agora dizer: entendidos ou não à sua época, apoiados ou não, tiveram sua grandeza reconhecida. Um lutou pelos direitos de negros freqüentarem a escola. Custou, mas não foi em vão, disseram os americanos em 2008 com Barack Obama. O outro, lutou pelos direitos dos sindicatos e dos trabalhadores construírem um futuro em que sua nação não mais andasse submissa de pires na mão. Também custou, mas não foi em vão. Ambos são fatos da história, são fatos não opinião.

NOTA: O Coeficiente de Gini é uma medida de desigualdade desenvolvida pelo estatístico italiano Corrado Gini, e publicada no documento "Variabilità e mutabilità" (italiano: "variabilidade e mutabilidade"), em 1912. É comumente utilizada para calcular a desigualdade de distribuição de renda mas pode ser usada para qualquer distribuição. Consulta Wikipedia
Aldaíza Sposati - 32nd International Conference of Social Welfare ? Facing Poverty and Social Inequalities ? ICSW 32 ? 2006 Conference

Nenhum comentário:

Postar um comentário