sexta-feira, 14 de maio de 2010

O Galpão do Mariano

Há uns três anos mais ou menos estava comendo minha vianda e assistindo o jornal da tv. Resolví escrever um texto em que me baseava na audição do gaúcho que não abandonando seu sotaque, com toda elegância tentava explicar a situação da Segurança Pública que encontrara. Posso dizer como carioca que o cenário que se apresentava em 2006 era pior que “entrevero de adaga”. Era feio mesmo. Mas o que me chamava a atenção era o sotaque, tal qual meu amigo Toninho da Varig, lá de perto de Cruz Alta, que depois de quarenta anos de Rio de Janeiro se dizia “solito” e não sozinho.
Mas como dizia, lá em 2006, qualquer carioca pode atestar, a situação não era boa, e pior, as pessoas não tinham esperança de melhorar. E aparece um gaúcho taura novo para tentar alterar este cenário sombrio. Comecei a dar tratos à bola me lembrando de como o Rio de Janeiro, a antiga capital da república, já acolhera tantos outros ilustres gaúchos, Barão de Mauá, Pinheiro Machado, Getúlio Vargas, Leonel Brizola, Ernesto Geisel, Elis Regina, a Xuxa, e tantos outros que aqui pelearam e ainda contribuem até hoje para nossa riqueza. Dei o título ao artigo de “O galpão do Mariano”.
Ontem tentei em vão encontrá-lo. Lá, falava do fado destes que, vindo dos outras províncias para a capital, traziam costumes e expressões que alegraram a nossa maneira de falar e de ser. O que mais me emocionava era lembrar histórias que meu pai contava, quando carregava numerário (dinheiro em espécie) do cofre do Banco do Brasil no Rio de Janeiro, para todas as paragens do Brasil. Imaginem, armado com um simples 32 naquela época. Sempre contava histórias do Rio Grande, de indiada matreira, de bugres de alma de fronteira, de peleadores, de tropeiros, de milicos, de chinas, de pardos mal encarados que desconfiavam, ou desejavam, a carga escoltada.
A lembrança então que aquele senhor gaúcho me fez suscitar foi a poesia do galpão tradicional que meu pai fazia declamar quase todo ano:
“Velho galpão ancestral
encaixado na cochilha,
catedral e curunilha
do batismo do gaúcho
que foi levando a pátria nos tento
e dizendo aos quatro vento
que esta terra tinha dono,
não vivia no abandono.
Eivado de picumã,
três esteios, pau-a-pique,
até parece um cacique,
todo emplumado de pé
o verdadeiro Rei Sepé.”

e por aí ia, longuíssima, a gastar as tardes de domingo, onde queimávamos um churrasco lá no quintal, com a piazada enchendo mais a alma que a barriga.
Passado estes anos tenho que reconhecer como carioca que realmente precisávamos de alguém com alma de Brasil grande; alguém desligado das complicadas e indizíveis relações políticas e sociais vigentes à época e que não tivesse complexo de mariposa, como alguns antecessores, que não podiam ver holofote nem câmara. Relações estas que teriam de ser quebradas, pouco à pouco, com determinação e espírito público.
Muito foi conseguido, as UPP não só fizeram sucesso mas como também calaram a boca de muitos de espírito pobre.
Mas o mais importante é trouxeram de volta a esperança, a tantos que nem pensavam que seriam algum dia tratados como cidadãos.
E é a este gaúcho que presto hoje esta tardia homenagem. É em nome dos que, sem voz, não tinham mais esperança. É em nome dos cariocas que dormem e vivem agora sem medo. Falo como cidadão do meu Estado.
E para não me alongar mais do “velório de padre” digo: obrigado José Mariano Benincá Beltrame.

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